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sábado, 18 de janeiro de 2014

Acontece...


Título: Acontece...
Autor: Laé de Souza
Gênero: Crônicas/ensaios

Editora: Ecoarte
Ano: 2006
Páginas: 119












Uma carta não entregue

Querida Jô


"Escrevo essas linhas para que um dia, num momento de coragem, te entregue perfumadas como estão e com um gesto de carinho, acompanhado de um beijo de amizade.
Jô, longe de mim ter ódio de ti por escolher o risco da liberdade e a incerteza do vôo sem vislumbrar o horizonte. Seria ingratidão em demasia deixar de agradecer os tantos prazeres que me destes e seria extremamente mesquinho não querer compartilhar-te, além de egoísmo querer reter-te submetendo-te a me fazer feliz. Embora por várias vezes loucamente assim tenha pensado, quando teus desejos eram outros que não os meus.
Nunca tenhas remorso, pois jamais pensei que fosse obrigação ou dever teu continuar a me dar amor. Se não tivesse contigo cruzado, certamente em minha passagem por este caminho nunca teria sentido o prazer máximo ou sequer imaginado que viesse a existir. Onde quer que estejas, provavelmente estarás mais ocupada em fazer alguém feliz do que em sê-lo, pois, pela própria natureza, te é inerte transmitir alegria e amor. Que o meu sofrimento nunca seja motivo de diminuir tua alegria. Bem sabes que depois de ti nenhuma mulher conseguirá me preencher, e certamente maior do que a tristeza de te perder seria a de não tê-la conhecido.
Conte comigo sem nenhum receio, mesmo que com isso eu espante de vez a esperança da tua volta. Saiba que tu fostes a coisa mais linda que passou por minha vida e que continuo vivendo. E ainda, que guardo comigo a lição que me ensinastes, de viver intensamente os momentos e nunca imaginar a incoerência de ter ódio por quem já se amou.
Continuo regando aquela tua roseira vermelha que murchou por uns tempos, mas já está se abrindo outra linda flor..."


Bartô




O livro traz, alem de crônicas, algumas reflexões e opiniões do autor. Dentre todas a que mais me chamou a atenção foi esta, Uma carta não entregue, pelo desapego do "deixar ir" do "permitir que o outro seja feliz sem você" do "reconhecer que ninguém é obrigado a te amar para sempre só pq te amou um dia" do "nunca imaginar a incoerência de ter ódio por quem já se amou." Pelo sincero e genuíno sentimento nela demonstrado, que só existe em um personagem fictício como este, e que contrasta com a realidade; o sentimento egoísta e possessivo que temos pelo outro e que equivocadamente chamamos de amor.

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