Autor: Fernando Sabino
Editora: Record
Gênero: Crônicas
Páginas: 199
Ano: 1983
(...Acho que minha gata não está muito a fim de ser garota propaganda do meu blog... ¬¬ rs)
O gato sou Eu, foi o primeiro livro do Fernando Sabino que li, aos 15 anos, desde então me tornei fã das crônicas dele e da maneira hilária como ele descreve os fatos.
Esta com certeza não é a melhor das crônicas dele, más vou postá-la por ser a crônica que dá titulo ao livro.
“Todos teem o direito de sonhar, e cada um o de ser dono de seu sonho.”
“Mas
quem é o gato afinal? O psicanalista, ou o
cliente que lhe conta seu sonho? Entre um e outro, o gato é o
símbolo da liberdade de sonhar.”
"Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.
- Continuou dormindo.
- Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.
- Que espécie de gato?
- Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.
- A que você associa essa imagem?
- Não era uma imagem: era um gato.
- Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?
- Associo a um gato.
- Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser esse alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.
- Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.
- Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.
- Uma projeção do senhor?
- Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.
- Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.
- Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.
- Em quem o senhor está falando?
- Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.
- Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.
- Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.
- Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?
- Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.
- Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?
- Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.
- E eu insisto em dizer: não é.
- Sou.
- Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.
- Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…
- Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?
- É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.
- Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.
- Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.
- Já disse que o gato sou eu!
- Sou eu!
- Ponha-se para fora do meu gato!
- Ponha-se para fora daqui!
- Sou eu!
- Eu!
- Eu! Eu!
- Eu! Eu! Eu!"
Conheça mais livros do autor:
A mulher do vizinho
O tabuleiro de damas
Adorei! A meu ver, é possível interpretar a crônica partindo do princípio de que ao mesmo tempo em que há o desejo de fuga do posto de expectador da própria vida - no caso, o gato - não se deseja abrir mão dele, pois já é algo arraigado na própria individualidade. Muito bom!
ResponderExcluirP.S.: Sua gata é muito fofa.
...E são justamente essas questões psicológicas, escondidas em um texto aparentemente bobo, que faz dele tão interessante!! ;)
ExcluirP.S.: Vc achou minha gata fofa, mesmo com essa cara de ranzinza da foto? É ironia né? rsrsrs
Obrigada pela visita e pelo coment!! =)
Bjss
Adoro Fernando Sabino! Meus primeiros livros sem gravuras foram dele... as cronicas são incriveis, sempre uma pitadinha de humor e da pra viajar na realidade que ele expõe. É uma excelente dica , e a resenha está bem convidativa pra quem não conhece se interessar! =)
ResponderExcluirPra mim, ele é o melhor cronista! ;)
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