Um blog criado a 4 mãos, uma parceria entre irmãs, para comentarmos sobre os livros que lemos, e compartilhar opções de boa leitura.
Escolha um livro, pegue uma xícara de café e venham me desfolhar, sintam-se à vontade.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O gato sou Eu!

Título: O gato sou eu
Autor: Fernando Sabino
Editora: Record
Gênero: Crônicas
Páginas: 199
Ano: 1983

 


   




(...Acho que minha gata não está muito a fim de ser garota propaganda do meu blog... ¬¬ rs)
    
   O gato sou Eu, foi o primeiro livro do Fernando Sabino que li, aos 15 anos, desde então me tornei fã das crônicas dele e da maneira hilária como ele descreve os fatos.
   Esta com certeza não é a melhor das crônicas dele, más vou postá-la por ser a crônica que dá titulo ao livro. 

“Todos teem o direito de sonhar, e cada um o de ser dono de seu sonho.”

“Mas quem é o gato afinal? O psicanalista, ou o cliente que lhe conta seu sonho? Entre um e outro, o gato é o símbolo da liberdade de sonhar.”

"Aí então, eu sonhei que tinha acordado. Mas continuei dormindo.
- Continuou dormindo.

- Continuei dormindo e sonhando. Sonhei que estava acordado na cama, e ao lado, sentado na cadeira, tinha um gato me olhando.

- Que espécie de gato?

- Não sei. Um gato. Não entendo de gatos. Acho que era um gato preto. Só sei que me olhava com aqueles olhos parados de gato.

- A que você associa essa imagem?

- Não era uma imagem: era um gato.

- Estou dizendo a imagem do seu sonho: essa criação onírica simboliza uma profunda vivência interior. É uma projeção do seu subconsciente. A que você associa ela?

- Associo a um gato.

- Eu sei: aparentemente se trata de um gato. Mas na realidade o gato, no caso, é a representação de alguém. Alguém que lhe inspira um temor reverencial. Alguém que a seu ver está buscando desvendar o seu mais íntimo segredo. Quem pode ser esse alguém, me diga? Você deitado aí nesse divã como na cama em seu sonho, eu aqui nesta poltrona, o gato na cadeira… Evidentemente esse gato sou eu.

- Essa não, doutor. A ser alguém, neste caso o gato sou eu.

- Você está enganado. E o mais curioso é que, ao mesmo tempo, está certo, certíssimo, no sentido em que tudo o que se sonha não passa de uma projeção do eu.

- Uma projeção do senhor?

- Não: uma projeção do eu. O eu, no caso, é você.

- Eu sou o senhor? Qual é, doutor? Está querendo me confundir a cabeça ainda mais? Eu sou eu, o senhor é o senhor, e estamos conversados.

- Eu sei: eu sou eu, você é você. Nem eu iria pôr em dúvida uma coisa dessas, mais do que evidente. Não é isso que eu estou dizendo. Quando falo no eu, não estou falando em mim, por favor, entenda.

- Em quem o senhor está falando?

- Estou falando na individualidade do ser, que se projeta em símbolos oníricos. Dos quais o gato do seu sonho é um perfeito exemplo. E o papel que você atribui ao gato, de fiscalizá-lo o tempo todo, sem tirar os olhos de você, é o mesmo que atribui a mim. Por isso é que eu digo que o gato sou eu.

- Absolutamente. O senhor vai me desculpar, doutor, mas o gato sou eu, e disto não abro mão.

- Vamos analisar essa sua resistência em admitir que eu seja o gato.

- Então vamos começar pela sua insistência em querer ser o gato. Afinal de contas, de quem é o sonho: meu ou seu?

- Seu. Quanto a isto, não há a menor dúvida.

- Pois então? Sendo assim, não há também a menor dúvida de que o gato sou eu, não é mesmo?

- Aí é que você se engana. O gato é você, na sua opinião. E sua opinião é suspeita, porque formulada pelo consciente. Ao passo que, no subconsciente, o gato é uma representação do que significo para você. Portanto, insisto em dizer: o gato sou eu.

- E eu insisto em dizer: não é.

- Sou.

- Não é. O senhor por favor saia do meu gato, que senão eu não volto mais aqui.

- Observe como inconscientemente você está rejeitando minha interferência na sua vida através de uma chantagem…

- Que é que há, doutor? Está me chamando de chantagista?

- É um modo de dizer. Não vai nisso nenhuma ofensa. Quero me referir à sua recusa de que eu participe de sua vida, mesmo num sonho, na forma de um gato.

- Pois se o gato sou eu! Daqui a pouco o senhor vai querer cobrar consulta até dentro do meu sonho.

- Olhe aí, não estou dizendo? Olhe a sua reação: isso é a sua maneira de me agredir. Não posso cobrar consulta dentro do seu sonho enquanto eu assumir nele a forma de um gato.

- Já disse que o gato sou eu!

- Sou eu!

- Ponha-se para fora do meu gato!

- Ponha-se para fora daqui!

- Sou eu!

- Eu!

- Eu! Eu!

- Eu! Eu! Eu!"

Conheça mais livros do autor:
A mulher do vizinho
O tabuleiro de damas

4 comentários:

  1. Adorei! A meu ver, é possível interpretar a crônica partindo do princípio de que ao mesmo tempo em que há o desejo de fuga do posto de expectador da própria vida - no caso, o gato - não se deseja abrir mão dele, pois já é algo arraigado na própria individualidade. Muito bom!

    P.S.: Sua gata é muito fofa.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. ...E são justamente essas questões psicológicas, escondidas em um texto aparentemente bobo, que faz dele tão interessante!! ;)

      P.S.: Vc achou minha gata fofa, mesmo com essa cara de ranzinza da foto? É ironia né? rsrsrs

      Obrigada pela visita e pelo coment!! =)
      Bjss

      Excluir
  2. Adoro Fernando Sabino! Meus primeiros livros sem gravuras foram dele... as cronicas são incriveis, sempre uma pitadinha de humor e da pra viajar na realidade que ele expõe. É uma excelente dica , e a resenha está bem convidativa pra quem não conhece se interessar! =)

    ResponderExcluir